A quem ou a o quê você tem dedicado seu tempo online?
Eu sou de um tempo em que a gente desligava a internet.
Isso, eu lembro de ter um horário específico, lá no começo dos anos dois mil, em que eu podia ligar o modem e passar algumas horas conversando no mirc, postando fotos no fotolog ou lendo blogs. Depois de determinada quantidade de tempo eu desligava o modem e ia fazer alguma outra coisa, como ver tv, ler um livro, ler capricho, fazer a lição de casa ou ligar para alguma amiga para continuar conversando…
Hoje em dia estamos cronicamente online. Existe uma geração crescendo sem nunca ter “desligado o modem”. Se o Caetano já se perguntava “quem lê tanta notícia?” lá atrás, o que dizer de hoje em dia?
É claro que não me oponho ao fácil acesso a informação que é ótimo. O que me inquieta é que existe tanta informação a ser consumida que é difícil saber em que momento já consumimos o suficiente ou de onde devemos consumir. E eu, que sou viciada no celular e cronicamente online, em 2023 também percebi o quanto isso me exauria.
Não faço ideia de quantos perfis de instagram ou de tiktok existam mas no melhor da psicanálise, escolher é perder, então quem eu escolheria não seguir? Que conteúdo eu já sabia que eu não queria consumir e que conteúdo eu ainda iria descobrir que me fazia mal?
Saber que eu não queria seguir coachs, políticos de extrema direita ou influenciadores que vendiam jogo do tigrinho foi a parte fácil. Essa informação claramente não me acrescentaria nada e eu não tinha a sensação de perder. Influencers do corpo perfeito, da bolsa perfeita, da roupa elegante, das mil viagens a Europa foram os próximos a serem expurgados: iria parecer muito fácil ter uma vida que não é nada fácil de ter, o que aumentaria minha sensação de inabilidade e inadequação enquanto eu ignoraria que por detrás daquilo existia um mundo de coisas que eles não mostrariam (as plásticas, as doenças ligadas a imagem e alimentação, entre outras).
Por fim, e surpreendentemente, me vi exausta dos gurus da psicologia. Aqueles colegas que pareciam ter encontrado a resposta para t-o-d-o-s os problemas da profissão & para t-o-d-o-s os problemas de t-o-d-o-s os pacientes.
Veja, no começo eu tinha certeza que esse conteúdo era inofensivo e o consumia com a sensação de estar apenas me mantendo por dentro, já que eu SABIA que não existia uma regra para manter uma agenda cheia ou um método para garantir e fidelizar pacientes (psicólogos deviam pensar sobre FIDELIZAÇÃO de pacientes?) ou uma teoria que abarcasse todas as respostas da complexidade humana.
E foi aí que eu fui ingênua.
Quando eu vi eu tinha esquecido as minhas certezas. De tanto ver aquele conteúdo eu me vi acreditando nele. E aí, depois de um tempo e de muita terapia, eu vi como mesmo as nossas certezas mais profundas podem sofrer abalos “apenas” pelo conteúdo que a gente consome nas redes sociais.
Digo apenas pois eu subestimei o impacto disso que claramente é imenso. De tanto ler uma mentira contada com convicção não é difícil acreditar que ela é verdade. E quando abri os olhos pra isso entendi todos os perigos exaustivos de ficar cronicamente online.
No twitter todas as discussões são requentadas de tempos em tempos e uma delas é sobre o conjugue não poder dar carona a pessoas do gênero que ele sente atração, como se isso fosse dar uma grande chance de uma traição acontecer. Eu não sei vocês, mas meu conjugue costuma exigir ser tratado como um ser humano com autonomia no qual eu confio e com certeza ficaria muito chateado e ofendido se eu achasse que o simples fato de alguma mulher sentar no banco do carona fosse ativar algum modo turbo da grande oportunidade de uma traição.
Eu ria dessa história do twitter toda vez que eu via pois achava ela era inofensiva. Assim como eu ria da psicóloga que vendia a receita do sucesso na carreira.
O caso é que no fundo não é nada inofensivo. Do mesmo jeito que as psicólogas “de sucesso” em algum momento alcançam minhas inseguranças profissionais, o plantio da ideia de que alguém estar no carro com seu conjugue pode ser o suficiente para desencadear um romance que vai acabar com você sentindo muita dor e/ou sendo abandonada só precisa achar uma guarda baixa e uma migalha da sua insegurança para crescer.
Então sim, precisamos estar atentos ao que consumimos na internet a partir dessa certeza de que não existe conteúdo inofensivo. E também precisamos estar atentos a nós mesmos e aos nossos “gatilhos”.
Eu e você não precisamos ler tanta notícia ou todas as notícias ou seguir todos que parece que todo mundo segue ou opinar em todas as discussões que existem e são infinitas. O que a gente precisa é pensar sobre que tipo de conteúdo faz sentido pra gente. Qual nos faz pensar, refletir, ponderar, aprender sem parecer nos esconder um segredo poderoso que devíamos saber para viver uma vida plena ou com sentido ou nos dar a sensação de que somos tolos, inadequados, insuficientes, ruins.
Talvez você, como eu, tenha feito a limpa no armário no fim do ano, selecionando o que não te servia mais ou que não combinava mais com seu jeito. Que tal fazer isso nas suas redes sociais agora? Isso também é cuidar da sua saúde mental.
Com carinho,
Ju





De tempos em tempos, eu sempre dou unfollow. As vezes é uma semi amiga que conheci em alguma festa, as vezes é alguma celebridade que não combina mais com o que quero ver. Acho importante lembrar de fazer essas limpas de tempos em tempos. Não só porque o conteúdo em si é questionável, mas também porque as vezes, mesmo a pessoa/celebridade/creator está num momento diferente do meu e as vezes, aquele conteúdo me gera gatilhos. Nada pessoal, nem com a pessoa nem comigo, mas dou unfollow tb x
Que texto, Ju!! Me senti tão acolhida e representada! Ahhh os gurus da psicologia, tenho até arrepios!