Redificar afetos.
É conversando que a gente cresce.
Oi, tudo bem?
Na semana passada indiquei aqui o Bom dia Obvious sobre ciúmes e compartilhei que uma das coisas que eu mais tinha gostado no episódio era a ideia de “redificar” afetos.
Bom, “redificar” é uma palavra que não existe mas que uso sugerindo “colocar em rede”, “viver em rede” os nossos afetos.
O amor romântico anda sendo questionado mas segue sendo ainda o maior receptáculo das nossas expectativas e investimentos relacionais e ele nos vende uma (falsa) promessa de completude, uma forma de dois unidos passarem a serem um! A essa fantasia romântica podemos somar, como o podcast explica, uma sociedade que se organiza afetuosamente em torno da conjugalidade, do cuidado e da saciedade das nossas necessidades vindo sempre e integralmente do nosso parceiro, por amor ou por responsabilidade.
Um terceiro ponto ainda é a quantidade de regras que ainda colocamos para os relacionamentos adultos de pessoas monogâmicas como “meu namorado não pode ter amigas mulheres” (e vice versa) no caso de casais heteros. Logo depois dessa frase podemos ouvir também a seguinte “ele já tem a mim, eu que sou amiga dele.” É disso que o amor romântico se alimenta, desta ingênua fantasia de que é possível que uma pessoa no mundo nos ofereça tudo que precisamos e que nós podemos ser tudo para essa outra pessoa também.
Adianto: não podemos. Em algum momento de apaixonamento pode ser até necessário que acreditemos nisso mas no decorrer da vida juntos vamos percebendo que um mais um são sempre dois exceto se tiver alguém engolindo muito sapo de forma silenciosa. É preciso uma ressignificação: não é prova de amor (e nem é necessário) gostar de tudo que o outro gosta ou acompanhar o outro em todas as suas atividades. É possível gostar de fazer trekking com seu parceiro romântico, retiro espiritual com suas duas amigas do colégio e degustação de vinho com seu primo e sua prima.
A presença desses outros importantes que nos nutrem não deveria ser uma ameaça ao amor senão um respiro para ele: quem suporta o peso de ser o melhor amigo, o parceiro de todos os hobbies, o cuidador, o amante e o confidente? Quem suporta ser o único a ocupar todas essas funções e dar conta de todas elas?
Não falo de negligência nem de desinteresse, uma boa dupla (trio, quarteto, etc) romântica precisa de atenção, de engajamento, de interesse e certamente também faz ótimo proveito de concessões e negociações! Redificar afetos não é propor que a gente se ausente da relação ou se desconecte dela nem que a gente “só fique com a parte boa”! A proposta é entender que desde que haja espaço para diálogo e aprimoramento por parte do par, uma amiga te compreender ou aconselhar melhor que sua esposa ou seu marido na pauta x não significa o colapso da sua relação nem sinaliza que você escolheu mal seu parceiro amoroso por ele ter mais dificuldade nisso.
Tal qual um bebê precisa de mais afeto do que só o da mãe - veja como temos chamado e exigido, ainda bem - que pais e outras figuras apareçam nesta divisão de afeto, nenhum adulto encontrará em outro todas as chaves de suas fechaduras e tudo bem chamar outras pessoas para o cuidado - e talvez, pasme, isso até melhore nossas parcerias amorosas.
Com carinho,
Ju




